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quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

ARISTÓTELES Não se entra na Academia para tirar um curso de xis anos. Entra-se, sai-se, fica-se o tempo que se quiser. Não há carreiras, exames,




ARISTOTELEAN

Filósofo: 384 a.C. - 322 a.C.

Orlando Neves




O HOMEM DEVE ENCONTRAR O MEIO-TERMO, O JUSTO MEIO.
QUANDO TUDO ACONTECEU...



384 a.C.: Nasce Aristóteles em Estagira, próximo de Pela, a capital da Macedónia. - 373 a.C.: Morrem seus pais; vai viver para casa de uma irmã em Mísia. O cunhado será o seu tutor. Torna-se amigo de Hermias que virá a ser o tirano de Assos. - 367 a.C.: Aos 17 anos Aristóteles frequenta a Academia de Platão, em Atenas. - 356 a.C.: Nasce Alexandre, filho de Filipe da Macedónia. - 347 a.C.: Morre Platão. Aristóteles não aceita Euspeusipo como novo director da Academia e parte para Assos, onde governa Hermias. Depois da morte deste vai para Mitilene, na ilha de Lesbos. - 343 a.C.: Aos 41 anos Aristóteles parte para Pela, a fim de se ocupar da instrução de Alexandre. - 340 a.C.: Aos 44 anos Aristóteles volta para a sua terra natal, Estagira; casa com Pítia. Durante 5 anos gere as suas propriedades. - 336 a.C.: Filipe da Macedónia é assassinado. Sucede-lhe Alexandre. - 335 a.C.: Aos 49 anos Aristóteles abre o Liceu, em Atenas. Alexandre financia-lhe a construção e manutenção da escola. - 323 a.C.: Morre Alexandre. Aristóteles tem 61 anos; perseguido pelos gregos, foge para a ilha Eubeia, onde vive sua mãe. - 322 a.C.: Morre na ilha Eugeia, aos 62 anos, no mesmo ano em que morre Demóstenes.



PÍTIA


Do mar Egeu sopra uma amena brisa matinal. O dia anuncia-se tórrido, como é hábito em Estagira, durante o mês de Agosto.

O vento refresca os pés nus de Aristóteles, sentado sob o alpendre da casa que foi de Nicómaco, seu pai. A mesma aragem trespassa o manto singelo de pano grosseiro que lhe cobre o corpo atarracado, as pernas finas. Acabou de, na cozinha, comer um frugal pequeno-almoço de pão de cevada, embebido em água e vinho, alguns figos secos e nozes. Levantara-se, porém, três horas antes e ocupara esse tempo na dissecação de uma toupeira. A realização de uma tarefa, o trabalho, traz-lhe a felicidade. Como já fizera com outros animais, conseguira pormenorizar as partes essenciais constitutivas do olho do pequeno mamífero insectívoro.

.Agora, sentado na cadeira curva de braços, cerra os pequenos olhos encovados e argutos.

Há poucos meses voltou para Estagira, a sua cidade natal na Calcídica, Macedónia. Voltou de Pela, a capital. Durante três anos esteve na corte como professor de Alexandre, o filho de Filipe da Macedónia. Ensinou-lhe o que era vital para que o jovem sucedesse ao pai. A história talvez não esteja de acordo: Alexandre, o Grande, cometeu excessos inacreditáveis. Excessos que o filósofo não aprovou, ele, o criador da teoria do justo meio, o que se situa entre o defeito e o excesso, enfim, o bom senso.

O mar, na sua frente, atrai-o. Como na infância. Como, antes, em Assos e na ilha de Lesbos.

Aristóteles tem quarenta e cinco anos. Percorreu Estagira e alegra-se por Filipe ter começado a cumprir a sua promessa: reconstruiria a cidade, por ele arrasada em guerra anterior, se o filósofo acedesse ao convite para preceptor de Alexandre.

É o momento de Aristóteles rever a sua vida.

Este retorno à casa do pai, a casa onde nasceu, no andar superior, é o lugar certo para a reflexão. Todas as coisas têm o seu lugar na disposição da natureza, como sempre afirmou.

Abre os olhos. Ao longe, sob o céu limpidamente azul, pareceu-lhe ver os contornos de Tasso, a ilha luminosa. Mais além, a costa asiática, o Continente pelo qual, desde criança, sente profundo fascínio.

Mas é a figura da mãe, Féstias, que, mais amiudadamente, lhe vem ao espírito. A casa precisa da mulher, a mulher que Aristóteles não quis, até ali, encontrar. A casa, depois uma mulher e um boi de trabalho, eis o que Hesíodo prescrevia para a felicidade masculina.

A casa e o boi de trabalho para os campos que herdou, possui-os já Aristóteles. Falta a mulher.

Talvez a brisa, subitamente, lhe avivasse a memória e tornasse nítida a escolha: a bela e terna irmã (ou filha?) do seu amigo Hermias, o tirano de Assos. Morto o irmão (ou pai?), Pítia vive em Pela, protegida por Filipe.

Mandará atrelar o carro de duas rodas.

No dia seguinte obtém o acordo de Pítia que traz para o casamento um avultado dote.



INFÂNCIA E DRAMA



Para um Ateniense, a Macedónia é a selvajaria. As rudes montanhas, os vales fundos, as florestas verdejantes, as abruptas torrentes de água, a natureza exuberante, as Bacantes que ali têm o seu domínio, os ritos e cultos estranhos, os gritos orgíacos, os latidos dos cães, tudo isso desagrada, profundamente, ao seco e civilizado cidadão de Atenas.

Em 384 a.C. ano em que nasce Aristóteles, governa a Macedónia o rei Amintas II em cuja corte é médico Nicómaco, o pai do filósofo. A um dia de viagem de Pela, situa-se Estagira. É uma pequena cidade marítima, num golfo do mar Egeu.

Pelas lendas, pela história, pela literatura, a Macedónia e a Grécia estão ligadas. Mas os de Atenas encaram mal os do Norte: quando a Macedónia empobrece, desprezam-na; quando enriquece, temem-na. Para mais, sempre os macedónios sofreram atracções, pouco recomendáveis, pela Ásia, em especial pelos persas, inimigos figadais da Ática.

Aristóteles, apesar das tradições comuns, será um estrangeiro, um meteco em Atenas. E pagará por isso.

Por enquanto, a criança vive a sua infância. Ao nascer, foi colocado aos pés de Nicómaco, para que este exercesse sobre ele o seu direito de vida ou de morte. O pai toma-o nos braços, sinal de que Aristóteles está salvo. Irá sobreviver. Nicómaco quer para o filho um destino grego, talvez porque a Calcídica foi fundada por colonos gregos, vindos de Calcis, na ilha Eubeia, a terra da mãe, onde Aristóteles irá morrer.

Ao dar-lhe um nome grego, Nicómaco quebra um costume: o filho deveria ter o nome do avô, Macaon. Aristóteles retomará a tradição: seu filho chamar-se-á Nicómaco. A ele dedicará uma das suas obras fundamentais, Ética para Nicómaco. (Aristóteles: um som muito próximo de Aristócles, o nome de Platão).

Duas irmãs mais velhas existem já na casa do médico Nicómaco. Elas vão estar ligadas a Aristóteles num amplexo familiar que o filósofo jamais renegará. Uma será a mãe de Calístenes, erudito e historiador que Aristóteles recomendará a Alexandre e que este condenará à morte. Em casa da outra irmã, em Mísia, perto de Pela, se recolherá Aristóteles, após a morte dos pais, tendo Proxénos, o cunhado, como tutor.

Dois anos depois de Aristóteles, nasce Filipe da Macedónia. Os jovens vão ser companheiros de infância nos jardins do palácio real. Mas, enquanto o filho de Amintas se exercita na cavalaria, no tiro ao arco, na caça, o de Nicómaco não é brilhante em tais artes. Ambos, no entanto, têm a paixão da natureza. Percorrem as florestas, conhecem as plantas, os animais do chão, as aves, os peixes. É aí que Aristóteles desperta para a biologia. As relações entre as duas crianças são afáveis e essa amizade, tão cara a Aristóteles, embora com divergências, prolongar-se-á até ao assassínio de Filipe.

Aristóteles, de facto, prefere as margens do mar Egeu, em Estagira, ao bulício, à confusão, ao fausto, à trepidação militar do palácio de Amintas.

É nesse mar, junto ao monte Athos, que Aristóteles inicia a investigação dos animais, em especial, os marinhos. Ensinado pelo pai, terá feito as primeiras dissecações. Também é aí que, entre a praia e os rochedos, convive com as gentes do porto, os pescadores, os marinheiros, as crianças do cais e absorve os conhecimentos que lhe transmitem. É, porém, nos livros que satisfaz completamente a sua curiosidade. Conhece de cor os poetas, sobretudo Homero, conhece os filósofos de Atenas e, mesmo sem compreender tudo, memoriza. Não é uma criança, aparentemente, sobredotada. É, tão-só, o que não é pouco, um jovem curioso, atento, paciente. E trabalhador.

De súbito, o drama.

Aos onze anos, Aristóteles perde os pais. Não se sabe como - se por doença, talvez epidémica, se por acidente.

O primeiro exílio: Mísia, a casa da irmã Arimnesta e de Proxénos. A adolescência vai vivê-la entre os livros e para os livros. Todas as perguntas vão nascendo no seu espírito e, eventualmente, as respostas. Precisa ainda de uma chave. Essa chave está em Atenas e chama-se Platão.

Cumprindo os desejos do pai e o seu - nutre, daí em diante, uma quase idolatria por Platão - aos dezassete anos, Aristóteles entra em Atenas.


O MESTRE, O DISCÍPULO



Há várias escolas na cidade. Mas a Academia de Platão é a mais acreditada.

Aristóteles, apesar do seu aspecto elegante, requintado, barba rapada e cabelo cortado, é o provinciano na grande urbe, centro e farol do Mundo. Tem dificuldades na língua do povo com quem se acotovela nas ruas. Ninguém o conhece. A cidade é poeirenta, o ar sufocante, húmido, respira-se mal. Fala-se muito depressa, usam-se expressões que Aristóteles não decifra. Além do mais cicia, quase gagueja, a voz é branda, fraca, tímida. Nunca será um orador, mas um leitor. Na Academia descobrem que é de fora. Da Macedónia? Sim, nasci lá, responde Aristóteles, prudentemente, como se quisesse que o facto fosse despiciendo, ocasional. Para ele, a prudência é uma virtude que será fundamental na sua ética. Recomendará sempre: prevejam-se as saídas possíveis, imaginem-se as consequências, avaliem-se as dificuldades - antes da decisão.

Está em Atenas. Isso é o que importa. A noroeste, fora das portas da cidade, fica a escola de Platão, um velho ginásio sob a protecção do herói Hecadémio. Não se entra na Academia para tirar um curso de xis anos. Entra-se, sai-se, fica-se o tempo que se quiser. Não há carreiras, exames, cursos com limites. Vai-se para aprender, para ensinar. Uma palavra elogiosa do mestre, um estímulo, é o bastante. Platão há-de dizer que Aristóteles é o melhor dos seus alunos, a Inteligência, o Cérebro, o Espírito puro. Por isso, o jovem macedónio ficará vinte anos na Academia, estudando, encarregando-se de disciplinas, ensinando.

A escola é um minicosmos da cidade, da sociedade. Invejas, vexações, intrigas, conspirações, grupos. Toda Atenas cosmopolita, variegada de gentes, vive uma vida versátil, animada, faladora, sulcada e fecundada pelos boatos, pelo diz-se, diz-se. Aristóteles frequenta os pontos de encontro, diríamos os cafés, as tertúlias, mas também os artesãos, os comerciantes, os soldados, as gentes do porto, a boémia - gosta de vinho, de rir, de ouvir anedotas e historietas, dos fait-divers, de mulheres. Não se lhe conhece, de prova provada, pendor para a beleza e a graça masculinas que tanto seduziam os amigos de Platão (ainda assim, alguns autores dirão que também ele se deixou atrair pelos jovens, que teve em Atenas momentos de grande luxúria e devassidão). Partilha, isso sim, a amizade, a filia, essa afecção da alma, como dirá, necessária para um homem "completo e perfeito" e para a organização da polis. Teofrasto vai ser o amigo fiel que o acompanhará toda a vida e a quem confiará a execução do seu testamento e a continuação do Liceu que Aristóteles irá fundar. Xenócrates, outro colega, marrão e teimoso, faz parte dos seus amigos académicos, até ao rompimento.

Ao contrário de Platão que despreza o rumor, o diz-se diz-se, a opinião, o que se ouve, a doxa, Aristóteles dar-lhe-á sempre atenção, muitas vezes para a avaliar a contrario ou dela extrair o que é verosímil.

Não será só quanto à doxa que se manifestará o desacordo com Platão, mais velho do que ele quarenta e três anos. Esse desacordo, todavia, jamais será conflito ou oposição violenta. Até ao último dos seus dias, Aristóteles será pró-platónico, mesmo divergindo. Uma frase que se lhe atribui, embora não formulada exactamente desta forma: "amigo de Platão, mas mais amigo da verdade".

Diógenes de Laércio, seu biógrafo, não muito fiel nem muito admirador, conta inúmeras histórias e frases de Aristóteles. Qual a diferença entre os sábios e os ignorantes? A que há entre os vivos e os mortos. O que envelhece mais depressa? A gratidão. Que é a esperança? O sonho de um homem acordado. Que é um amigo? Uma só alma em dois corpos. Que comportamento devemos ter para com os amigos? Como gostaríamos que se comportassem connosco. A um fala-barato que pedia desculpa por o ter incomodado respondeu: não tem importância, não estive a ouvi-lo. Alguém o censurou por dar esmola a um vadio: não dei ao indivíduo, dei ao homem.

Quando Aristóteles completa trinta e sete anos, Platão morre. Espeusipo, filósofo e professor medíocre que virá a sucumbir de morte sinistra, devorado pelos piolhos, sobrinho de Platão e ateniense dos quatro costados, será, por testamento, o novo director da Academia.

É provável que Aristóteles se tenha enfurecido. Ele, o Espírito puro, preterido por um insignificante! Não suporta a afronta.

Ásia. Em Assos, o seu amigo Hermias (que também passara pela Academia) eunuco e escravo liberto, rico, poderoso, amigo da filosofia, é, agora o tirano. Aristóteles parte para lá, a fim de fundar uma escola.

O segundo exílio. Atenas fica para trás. Uma memória viva, uma experiência vivida que Aristóteles sonha repetir. E repetirá.


JUNTO AO MAR, NA ILHA




Aristóteles, mestre de Alexandre. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica.







Ei-lo do outro lado, quase em frente de Estagira, nas margens da Ásia Menor. No seu ambiente dilecto: os portos, os barcos, o cheiro do mar, o gosto pelo vinho nas tabernas do cais, o sotaque dos marinheiros, os peixes. Não vai copiar a experiência de Platão, junto dos tiranos de Siracusa. Não tenciona moralizar Hermias. Dedicar-se-á ao trabalho, a ler, a escrever, a estudar. Longe de Atenas e dos mexericos está no seu lugar - perto da natureza, com os seus livros.

Até que Hermias é traído e entregue aos persas que o matam, crucificado. Aristóteles atravessa o mar e vai para Mitilene, capital de Lesbos, a mítica ilha de Safo. Durante mais cinco anos, dando lições ou simplesmente trabalhando nas suas obras. Aristóteles é um homem rico em Estagira - ele está, como deseja, em pleno contacto com a natureza.

Se fosse hoje, diríamos que, certo dia, o telefone (ou o fax) toca em Mitilene. Aristóteles atende. De Pela, o seu amigo Filipe da Macedónia envia-lhe a mensagem: "Vem, meu filho Alexandre precisa de ti". Que terá atraído Aristóteles? Influenciar um futuro rei, formá-lo? Mais forte do que isso, sem dúvida: a Macedónia é a sua terra, o seu lugar de origem, a casa paterna.


O REGRESSO A ATENAS




Aristóteles recebe Pítia nessa casa.

Que pensará de Pítia? é, apenas uma mulher. E Aristóteles (já lá vão 2300 anos) tem sobre a mulher opiniões medonhas. A mulher é o "homem incompleto", ser passivo e receptor (pelo contrário, o homem é o activo e o dador). A mulher recebe e conserva a semente, o homem é o semeador. O homem dá a forma, a mulher, a matéria. A sua única função é a reprodução. Ela é fraca, sem energia própria, só o macho a activa. Um vaso, um recipiente. Poder-se-á dizer que, na sua observação da mulher, Aristóteles aplica um processus, um esquema da natureza. No entanto, nos textos em que descreve a gestação dos animais - e, homem e mulher são-no - nota-se um tom de enorme admiração, de maravilhamento assombrado. Ainda e sempre a adoração pela natureza.

Pítia dá-lhe uma filha. Mas, pouco depois, Aristóteles enviúva. Juntar-se-á, sem casamento, com Herpília, ao que parece uma bela cortesã. Dela terá o filho, Nicómaco.

A estada em Estagira está prestes a terminar. Governando os seus bens, lá, foi o arquitecto, o ecónomo, o lavrador, o marido, o progenitor.

Alexandre, o Grande, anexa a Grécia e estabelece a paz. Cumpre-se o lendário sonho da dominação helénica sobre o mundo. Esquecem-se, por momentos, as diferenças. Antipater é nomeado por Alexandre para o governo de Atenas. Velho amigo de Aristóteles, Antipater protege a cultura.

É chegado o momento de Aristóteles regressar a Atenas.


O LICEU



Aristóteles funda o Liceu. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica.

Aos quarenta e nove anos, o filósofo chega, de novo, às portas da cidade. Na Academia está, agora, o seu condiscípulo Xenócrates. Mas o ensino derivou para o misticismo. Além disso, Aristóteles não considera o colega: "é horrível calar-me e deixar Xenócrates falar". Nem pensar na Academia que foi de Platão...

O mais longe possível, Aristóteles vai fundar outra escola, o Liceu, a sudoeste de Atenas, fora de portas também, num monte onde há um templo a Apolo Liceano, o caçador de lobos. Aí existe um velho ginásio que Aristóteles compra (Alexandre apoia-o). É um vasto espaço de alamedas cobertas e colunas (peristilos). Outras construções se edificarão: a biblioteca, os museus de zoologia e botânica, etc.

Com a ajuda de Teofrasto, que nunca o abandonou, Aristóteles ensinará durante doze anos. Os "cursos" - esotéricos, para os alunos inscritos, exotéricos para uma assistência mais diversificada serão dados - andando. Passeios durante a manhã, passeios à tarde, obedecendo à natureza: passear activa a digestão, a bílis, o sangue, o calor. E o pensamento. Os peripatéticos. Não por causa da marcha, mas por a marcha se fazer nas alamedas (os peripatos).

Alexandre prossegue a campanha da Ásia e o seu comportamento é desaprovado por Aristóteles que não perdoará a morte de Calístenes, o sobrinho querido que se recusara a aceitar Alexandre como um deus. Mas em 323 a.C. Alexandre morre de febres.

A unidade Macedónia-Grécia, desfaz-se. Surge Demóstenes, chefiando a facção ateniense. Os velhos ódios voltam. Demóstenes vence. É imperioso expulsar tudo e todos os que sejam macedónios. Tudo o que recorde o domínio de Alexandre, deve ser banido. É preciso encontrar um expediente para proscrever Aristóteles. Recorda-se Sócrates: o melhor é uma acusação de impiedade. Vasculha-se o passado para encontrar o "crime", algo que ponha em causa os valores da liberdade e da independência, como, por exemplo, adorar um homem como se fosse um Deus. Ou um Herói. Aristóteles não corria esse risco com Alexandre. Mas descobrem-lhe um poema, um hino, um péan que ele escrevera dedicado a um tirano, Hermias. O louvor, a heroicização de um ex-escravo, depravado, eunuco, bárbaro, estrangeiro, déspota.

Aristóteles sabe do que conspiram contra ele. Atenas novamente o rejeita. Prudente, reconhece que não pode esperar a decisão do tribunal. À pressa, fecha o Liceu, confia as chaves a Teofrasto, lança um último olhar à biblioteca, às colecções, às salas de trabalho.

Com os manuscritos, Herpília, os filhos Pítia e Nicómaco parte para o último exílio. Aos 61 anos. Dirá, pensando em Sócrates: "não quero que os Atenienses cometam um novo assassínio contra a filosofia".


A CASA DA MÃE


Féstias, a mãe, era de Cálcis, a principal cidade da ilha Eubeia, a norte de Atenas. Aristóteles e a sua troupe atravessam o estreito de Euripo que separa a ilha da Ática. Instala-se na casa que fora de sua mãe, uma propriedade de dimensão razoável. Regressar a Estagira seria cortar definitivamente com Atenas.

Projecta inúmeros trabalhos. Mas, sem a sua biblioteca, sem os seus amigos, precisando de reorganizar a casa, compensa-o, mais uma vez, a proximidade do mar, o porto, o estreito, a fauna marinha.

Todavia, Aristóteles está doente. Há muito que sofre do estômago, provavelmente da bílis, do fígado. O corpo que sempre preservara, cuidadosamente, abandona-o. A casa da mãe é o regresso ao útero. Em Atenas humilham-no, vexam-no, retiram-lhe as honras, degradam-no.

Quando Antipater desbarata as forças gregas e retoma o poder em Atenas, Aristóteles já não tem forças para regressar. Terá de deixar-se a si mesmo e entrar na morte. Que ocorre quando tem 62 anos. Não se sabe como. Minado pela doença, bebendo cicuta? Ou afogando-se, deliberadamente, no seu amado mar?


O PENSAMENTO DE ARISTÓTELES



"Mestre dos que sabem", assim se lhe refere Dante na Divina Comédia. Com Platão, Aristóteles criou o núcleo propulsionador de toda a filosofia posterior. Mais realista do que o seu professor, Aristóteles percorre todos os caminhos do saber: da biologia à metafísica, da psicologia à retórica, da lógica à política, da ética à poesia. Impossível resumir a fecundidade do seu pensamento em todas as áreas. Apenas algumas ideias. A obra Aristotélica só se integra na cultura filosófica europeia da Idade Média, através dos árabes, no século XIII, quando é conhecida a versão (orientalizada) de Averróis, o seu mais importante comentarista. Depois, S. Tomás de Aquino vai incorporar muitos passos das suas teses no pensamento cristão.

A teoria das causas. O conhecimento é o conhecimento das causas - a causa material (aquilo de que uma coisa é feita), a causa formal (aquilo que faz com que uma coisa seja o que é), a causa eficiente (a que transforma a matéria) e a causa final (o objectivo com que a coisa é feita). Todas pressupõem uma causa primeira, uma causa não causada, o motor imóvel do cosmos, a divindade, que é a realidade suprema, a substância plena que determina o movimento e a unidade do universo. Mas para Aristóteles a divindade não tem a faculdade da criação do mundo, este existe desde sempre. É a filosofia cristã que vai dar à divindade o poder da Criação.

Aristóteles opõe-se, frequentemente, a Platão e à sua teoria das Ideias. Para o estagirita não é possível pensar uma coisa sem lhe atribuir uma substância, uma quantidade, uma qualidade, uma actividade, uma passividade, uma posição no tempo e no espaço, etc. Há duas espécies de Ser: os verdadeiros, que subsistem por si e os acidentes. Quando se morre, a matéria fica; a forma, o que caracteriza as qualidades particulares das coisas, desaparece. Os objectos sensíveis são constituídos pelo princípio da perfeição (o acto), são enquanto são e pelo princípio da imperfeição (a potência), através do qual se lhes permite a aquisição de novas perfeições. O acto explica a unidade do ser, a potência, a multiplicidade e a mudança.

Aristóteles é o criador da biologia. A sua observação da natureza, sem dispor dos mais elementares meios de investigação (o microscópio, por exemplo), apesar de ter hoje um valor quase só histórico não deixa de ser extraordinária. O que mais o interessava era a natureza viva. A ele se deve a origem da linguagem técnica das ciências e o princípio da sua sistematização e organização. Tudo se move e existe em círculos concêntricos, tendente a um fim. Todas as coisas se separam em função do lugar próprio que ocupam, determinado pela natureza. Enquanto Platão age no plano das ideias, usando só a razão e mal reparando nas transformações da natureza, Aristóteles interessa-se por estas e pelos processos físicos. Não deixando de se apoiar na razão, o filho de Nicómaco usa também os sentidos. Para Platão a realidade é o que pensamos. Para Aristóteles é também o que percepcionamos ou sentimos. O que vemos na natureza - diz Platão - é o reflexo do que existe no mundo das ideias, ou seja, na alma dos homens. Aristóteles dirá: o que está na alma do homem é apenas o reflexo dos objectos da natureza, a razão está vazia enquanto não sentimos nada. Daí a diferença de estilos: Platão é poético, Aristóteles é pormenorizado, preferindo porém, o fragmento ao detalhe. Chegaram até nós 47 textos do fundador do Liceu, provavelmente inacabados por serem apontamentos para as lições. Um dos vectores fundamentais do pensamento de Aristóteles é a Lógica, assim chamada posteriormente (ele preferiu sempre a designação de Analítica). A Lógica é a arte de orientar o pensamento nas suas várias direcções para impedir o homem de cair no erro. O Organon ficará para sempre um modelo de instrumento científico ao serviço da reflexão. O Estado deve ser uma associação de seres iguais procurando uma existência feliz. O fim último do homem é a felicidade. Esta atinge-se quando o homem realiza, devidamente, as suas tarefas, o seu trabalho, na polis, a cidade. A vida da razão é a virtude. Uma pessoa virtuosa é a que possui a coragem (não a cobardia, não a audácia), a competência (a eficiência), a qualidade mental (a razão) e a nobreza moral (a ética). O verdadeiro homem virtuoso é o que dedica largo espaço à meditação. Mas nem o próprio sábio se pode dedicar, totalmente, à reflexão. O homem é um ser social. O que vive, isoladamente, sempre, ou é um Deus ou uma besta. A razão orienta o ser humano para que este evite o excesso ou o defeito (a coragem - não a cobardia ou a temeridade). O homem deve encontrar o meio-termo, o justo meio; deve viver usando, prudentemente, a riqueza; moderadamente os prazeres e conhecer, correctamente, o que deve temer.

Também na Poética, o contributo ordenador de Aristóteles será definitivo: ele estabelecerá as características e os fins da tragédia. Uma das suas leis sobre ela estender-se-á, por séculos, a todo o teatro: a regra das três unidades, acção, tempo e lugar.

Erros, incorrecções, falhas, terá cometido Aristóteles. Alguns são célebres. Na zoologia, por exemplo, considera que o homem tinha oito pares de costelas, não reconhece os ossos do crânio humano (três para o homem, um, circular, para a mulher), supõe que as artérias estão cheias de ar (como, aliás, supunham os médicos gregos), pensa que o homem tem um só pulmão. Não esqueçamos: Aristóteles classificou e descreveu cerca de quinhentas espécies animais, das quais cinquenta terá dissecado - mas nunca dissecou um ser humano.

A grandeza genial da sua obra não pode ser questionada por tão raros erros, frutos da época - mais de 2000 anos antes de nós.

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